O uso cirúrgico da pele de tilápia deve avançar internacionalmente e fazer parte de pelo menos dez cirurgias redesignadoras de sexo até o fim do ano. Os procedimentos estão previstos para acontecer em Cali, na Colômbia. O material já é utilizado para o tratamento de queimados e para cirurgias de reconstrução do canal vaginal. O objetivo agora é utilizá-la desde o início nas cirurgias que transformam pênis em vulvas e vaginas.
Uma conferência internacional que tem início na próxima sexta-feira, 2, pretende discutir e padronizar a técnica inovadora desenvolvida no Ceará. A história e os sucessos do procedimento serão apresentados pelos médicos cirurgiões Edmar Maciel, coordenador da pesquisa e presidente do Instituto de Apoio ao Queimado, e Leonardo Bezerra, ginecologista e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), para especialistas colombianos – liderados por Álvaro Hernan Rodriguez – e para pacientes. Trâmites técnicos e éticos serão discutidos para que a América Latina seja pioneira na intervenção.
“Até o momento, a pele de tilápia tem sido utilizada nas reconstruções após procedimentos de redesignação. A proposta desta vez é utilizar já na cirurgia inicial. Será a primeira vez em todo o mundo”, explica o ginecologista. Segundo Bezerra, a Colômbia é hoje uma referência em procedimentos de redesignação sexual, e Cali tem um grande centro privado que se especializa nessas operações. A iniciativa partiu dos colombianos a partir das pesquisas nacionais apontando que a pele estimula o desenvolvimento celular e a transformação em tecido vaginal.
Procedimentos ginecológicos cirúrgicos usando o método acontecem desde 2017 na Maternidade-Escola Assis Chateaubriand (MEAC), da UFC, coordenados pela professora Zenilda Bruno. Após o uso do material para curar queimados, pesquisa desenvolvida no Centro de Tratamento de Queimados do Instituto Dr. José Frota (IJF), uma equipe da universidade decidiu testar o método na construção do canal vaginal.
Com ele, são beneficiadas mulheres com síndrome de Rokitansky (anomalia rara caracterizada por uma ausência congênita do canal vaginal), com câncer no canal vaginal e após cirurgias de redesignação sexual. Sobre o último tipo, Bezerra explica que a pele do pênis que será redesignado “às vezes é muito curta e não consegue se transformar em um canal vaginal funcional”; nesses casos, as mulheres não conseguem manter relações sexuais, apesar de o órgão estar esteticamente transformado.
Pelo menos dez mulheres tiveram seus canais vaginais reconstruídos com o método. A pesquisa ganhou o mundo, foi destaque em séries e revistas científicas internacionais e até enviada para o espaço, em parceria com Agência Espacial Norte-Americana (Nasa).
O uso da pele tilápia na Medicina
Surgida em 2014 no Estado, a pesquisa com a pele de tilápia para fins curativos está sendo desenvolvida em outros seis estados brasileiros (PE, RS, GO, SP, RJ e PR) e também nos EUA, Alemanha, Holanda, Colômbia, Guatemala e Equador, por um grupo de mais de 180 pesquisadores.
O POVO Online tem acompanhado os estudos no Ceará. Em fevereiro de 2016, pesquisa do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos da UFC, coordenado pelo professor Odorico de Moraes, revelou que a pele de tilápia tem componentes que ajudam na cicatrização de feridas e queimaduras.
Já em novembro daquele ano, O POVO noticiou o resultado dos estudos sobre o material como curativo. O teste foi realizado com 29 pessoas com queimaduras de segundo e terceiro graus. Na ocasião, os médicos destacaram a recuperação mais ágil dos pacientes: entre duas ou três semanas, as lesões já apresentaram melhoras significativas.
A pele de tilápia é a primeira pele de animal aquático do mundo a ser estudada para o tratamento de queimaduras. Seu uso reduz em 57,48% os custos ambulatoriais na recuperação dos pacientes. Em novembro de 2017, o Banco de Pele da Universidade Federal do Ceará, primeiro banco de pele animal do País, enviou ajuda para a recuperação das vítimas de incêndio em creche no município Janaúba, norte de Minas Gerais. Quatro meses depois, a técnica usada para tratar queimaduras em animais nos Estados Unidos.
Em 2018, o uso ginecológico da pele do pescado obteve avanços significativos. Em fevereiro, quatro mulheres no Ceará passaram pelo procedimento de reconstrução vaginal com pele de tilápia. No procedimento tradicional, feito há mais de 25 anos, é usada a própria pele da virilha da paciente.
Em 23 de abril de 2018, a pele de tilápia foi utilizada com sucesso em reconstrução vaginal após cirurgia de redesignação sexual em uma paciente de Campinas, em São Paulo. Em setembro, a técnica foi utilizada em mulher acometida de câncer vaginal.
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