Aos 25 anos, o jovem Carlos J. (nome fictício) estava com um pouco de rarefação do cabelo nos lados da cabeça. Suspeitou, apesar de não se sentir em uma situação típica, com entradas e outros detalhes, que fosse o início de calvície, condição que sempre foi um incômodo para os homens.
Após se consultar com uma dermatologista, veio o diagnóstico: calvície, cujo nome científico é alopecia androgênica. A médica lhe receitou minoxidil e remédio composto por finasterida, substância mais usada para conter a queda de cabelos.
O jovem ingeriu o medicamento de finasterida por cerca de cem dias no total — entre abril e junho de 2014 e dezembro do mesmo ano. Quando parou, porém, Carlos J. conta que viveu um drama que tem assolado um número significativo de pessoas, segundo muitas queixas expostas, na maioria das vezes, anonimamente pelas redes sociais. Em relato ao R7, ele afirma que teve impotência, diminuição da libido, perda de sensibilidade e retração dos órgãos genitais, além de irritabilidade.
— Durante o uso, eu quase não notei nada. Lembro que uma vez, ainda no primeiro período de uso da droga, eu cheguei a olhar meu pênis ereto e achar que ele estava um pouco menos cheio. Mas achei que era coisa da minha cabeça, afinal eu não estava no topo da excitação sexual. O que eu não percebia era que o próprio fato de não atingir esse máximo de excitação tinha a ver com a finasterida, já que ela corta a libido. No segundo período de uso, em dezembro, tive extrema irritabilidade.
Conforme ele conta, tudo parecia normal quando, de repente, os problemas começaram a aparecer em abril último, mais de quatro meses após ele ter deixado de ingerir a substância. Depois de um dia normal, Carlos J. começou a ter sensações estranhas.
— Fui dormir sem saber o que raios estava acontecendo comigo. Era o tal do “crash pós-finasterida”. Se de manhã eu tinha chegado a me masturbar, de tarde meu pênis já tinha perdido a sensibilidade (não era mais erógeno) e encolhido. É assim, brusco.
Sensações como queimação da planta dos pés e do púbis, que também formigava, começaram a se tornar um tormento para ele, mantendo-o em um verdadeiro pesadelo acordado.
— A insônia foi horrível, eu dormia muito pouco por noite e o sono era péssimo. Era como se eu estivesse sob tortura, porque mal eu pegava no sono, acordava de supetão como se alguém tivesse me dado um soco no peito ou jogado um balde d’água. Eu sentia necessidade de urinar toda hora, tanto de dia quanto à noite, e a urina saía transparente como água. E meus testículos encolheram rapidamente. Eu sentia alguma dor no testículo direito. Após o crash é que eu finalmente desconfiei da finasterida.
Em busca da recuperação
Foram três semanas de sofrimento em alto grau. Depois, o quadro de “crash” começou a aliviar, mas ele ainda vê sequelas.
— Sexualmente eu ainda estou bem destruído. Tocar minha genitália me dá pouco ou nenhum prazer. A libido às vezes dá as caras, mas o mais do tempo ela fica “fora”.
E, após um espermograma, Carlos J. diz que, na prática, se tornou infértil.
— Infelizmente (me tornei infértil). Meus testículos estão encolhidos; o laudo de uma ultrassonografia da bolsa escrotal apontou “hipotrofia testicular bilateral”. No “crash”, meu pênis parecia quase não receber sangue. Em vez do arroxeado normal, ele estava branco. Ficou menor do que quando eu era criança. Só alguns dias depois é que eu vi uma mancha vermelha se espalhando.
Apesar de não haver estudos que indiquem o caminho exato, e nem que expliquem os efeitos da finasterida mesmo depois que ela não é mais usada, Carlos J. acredita na sua recuperação.
— Eu conto mesmo é com a capacidade de regeneração do meu corpo. Já vi na internet casos de gente que se recuperou espontaneamente, inclusive do encolhimento, só dando tempo ao próprio corpo. Meu próprio pênis ainda não está como era antes do crash, mas já não está com aquela “dureza sem ereção” e recuperou um pouco de comprimento.
Carlos J. faz um alerta àqueles que sofrem com o drama.
— Para os que já estão com problemas, recomendo paciência. Nada de falar em se matar. Tem gente que melhora espontaneamente, então o negócio é ficar vivo, procurar se manter bem saudável e torcer pelo melhor. O primeiro passo é dividir o problema com amigos e familiares. Lidar com tudo sozinho é insuportável. Cada vez que eu tomei coragem e revelei a um amigo ou parente, mais senti alívio e mais consegui suporte.
E para os médicos, ele pede um pouco mais de compreensão em relação a pacientes com doenças com causas desconhecidas.
— Peço que (médicos) respeitem mais seus pacientes. É muito chato quando você sente que só está autorizado a sentir os sintomas das doenças que eles conheçam. Se você apresenta outro quadro, então eles acham que ou você está mentindo, ou é louco — é o raciocínio por trás da explicação “é tudo psicológico”.
Síndrome questionada e reconhecida
Boa parte da comunidade médica, porém, ainda não está convencida de que esses sintomas tenham prolongamento após a suspensão do uso do medicamento. Segundo Carlos A. R. Sacomani, doutor em urologia pela Faculdade de Medicina da USP, durante o uso pode haver disfunção erétil, diminuição da libido e alguns casos de infertilidade.
— A diminuição dos órgãos genitais não acontece. Isso é um mito. Felizmente a grande maioria dos casos é resolvida após a suspensão da medicação. Existe apenas um estudo que fala que cerca de 15% dos casos não retornam à normalidade, mas isso foi um estudo e há questionamentos se não há outros fatores em conjunto que levam a essa situação. A finasterida é um remédio bastante seguro.
A existência da síndrome pós-finasterida já é reconhecida por alguns médicos, mas os estudos ainda não conseguiram identificar a sua causa. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) não proíbe a substância.
Nos Estados Unidos, há a Post-Finasteride Syndrome Foudation (Fundação da Síndrome Pós-Finasterida), que, em maio, divulgou que o National Institutes of Health adicionou a síndrome em sua lista no centro de informações sobre doenças raras e genéticas, realçando que estão em curso estudos para compreender o nível de segurança e efeitos adversos do uso da finasterida, que também é usada no tratamento do câncer de próstata.
Segundo o dermatologista Arthur Tykocinski, do Hospital Albert Einstein, entre outros, e membro de associações como a American Society of Hair Restoration, o risco de efeitos colaterais da finasterida é real e, em alguns casos relativos a pacientes com mais de 40 anos, estes podem ter uma incidência de mais de 20%.
— Não se sabe ao certo a causa (da síndrome). É ainda mal-estudada, mal-definida, mal-compreendida. A teoria por trás disso é que a interrupção da finasterida causaria um crash na regulagem do sistema hormonal masculino e isto causaria diminuição da testosterona.
Em pacientes com cerca de 18 anos, Tykocinski diz que o número dos que têm estes sintomas é baixíssimo, menor até do que os 2% indicados em bulas. Por isso, Tycocinski prefere não definir a finasterida como uma “vilã”. O médico ressalta que ela deve ser receitada com critério, transparência e levando-se em conta a idade e o grau de calvície do paciente.
— Na minha opinião, acho que a finasterida tem um papel bastante importante, mas tem de se pesar se o benefício que ela vai trazer é menor e se a chance de o paciente ter efeitos colaterais é maior. Para os jovens, ela é muito importante em muitos casos. Por exemplo, um jovem, com calvície inicial, histórico familiar (de calvície), tem muito cabelo a perder e pouquíssimas chances de ter efeito colateral. Um caso assim vale a pena (a finasterida). Já um paciente com mais de 40 anos (já tendo perdido bastante cabelo), acho que deve pensar que ela pode ser dispensável.
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