O Ministério Público de Contas de Alagoas (MPC/AL), por meio da sua 3ª Procuradoria de Contas, protocolou uma representação com pedido de medida cautelar em desfavor do prefeito de Girau do Ponciano, David Ramos de Barros; da Secretária Municipal de Saúde e Gestora do Fundo Municipal de Saúde de Girau do Ponciano, Maria Gorete Santos Santana; e da empresa ALAFIA EMPREENDIMENTOS EIRELI-ME, representada por sua sócia administradora, Lucimari Rocha dos Santos; por suspeita de fraude no contrato firmado para a aquisição da central de gases medicinais destinada a equipar o Hospital de Campanha de Girau do Ponciano. O contrato foi efetivado por dispensa de licitação no montante de R$ 332.510,00.
O MPC/AL pede ao Tribunal de Contas do Estado (TCE/AL) a medida cautelar para determinar aos gestores públicos mencionados que não realizem o pagamento de qualquer quantia à ALAFIA EMPREENDIMENTOS EIRELI-ME relativo ao Contrato n. 015/2020, sob pena de multa pessoal e solidária no montante do valor do contrato. O MPC pede também que o prefeito remeta, em 48 horas, cópia integral do processo administrativo que deu origem ao contrato. Ele, a secretária municipal de saúde e a empresa terão 15 dias, após a notificação, para apresentarem defesa.
O fato é que no monitoramento dos gastos públicos com as ações emergenciais de enfrentamento à pandemia do Covid-19, o MP de Contas verificou que a contratação direta por dispensa de licitação, firmada pelo Município de Girau do Ponciano, através do Fundo Municipal de Saúde com a empresa ALAFIA EMPREENDIMENTOS EIRELI-ME, apresenta elevadíssimo risco jurídico e econômico à Administração Pública, padecendo de fortes indícios de irregularidades que indicam a ocorrência de fraude e/ou dano ao erário municipal.
A empresa ALAFIA EMPREENDIMENTOS EIRELI-ME, contratada para a aquisição da central de gases medicinais destinada a equipar o Hospital de Campanha de Girau do Ponciano, atua no ramo de incorporação de empreendimentos imobiliários, tendo como atividades secundárias a construção civil e o comércio varejista de materiais de construção, ou seja, sua atividade econômica é incompatível com o objeto do contrato. O fato é demasiadamente incomum, sobretudo porque os gestores públicos municipais têm uma larga margem de discricionaridade para cotar preços no mercado e escolher o melhor fornecedor e, mesmo assim, optaram por contratar uma microempresa individual sediada no subúrbio do Rio de Janeiro e que atua no ramo da construção civil para adquirir um equipamento hospitalar específico como a central de gases medicinais.
Outro indício de irregularidade verificado pelo MP de Contas foi a contratação de uma empresa não especializada no objeto do contrato, apesar da existência de múltiplos fornecedores no mercado, inclusive especializados na fabricação, venda e instalação de centrais, componentes e gases medicinais.
Para o Procurador Rafael Alcântara, a decisão heterodoxa dos gestores municipais poderia decorrer da ausência ou escassez de fornecedores de central de gases medicinais no mercado brasileiro, o que não é o caso, uma vez que o MPC/AL, numa breve pesquisa de poucos minutos na internet, localizou vários fornecedores do objeto do contrato e menciona pelo menos cinco: Athenas Hospitalar, Unilec Hospitalar, SCGN – Sistema Centralizado para Gases Nobres, Air Liquide, Vitrine Hospitalar.
“A decisão do administrador deve ser sempre pautada pela melhor escolha baseada em critérios de eficiência e economicidade, afigura-se, no mínimo, anormal a opção de adquirir um equipamento médico de considerável complexidade como a central de gases medicinais de uma empresa da construção civil, desprezando, por outro lado, a expertise de fornecedores especializados – que, via de regra, não só possuem o melhor produto/serviço como também oferecem os melhores preços e prazos”, ressaltou Alcântara.
Outro ponto que chamou a atenção do Ministério Público de Contas foi a ausência de qualificação econômico-financeira da empresa para a execução do contrato, uma vez que ela é individual de responsabilidade limitada (EIRELI), com pouco mais de dois anos de atividade em ramo totalmente diverso do objeto do contrato, e possui o capital social de apenas R$ 100.000,00, bastante aquém do valor do contrato em referência. Ademais, a empresa contratada é enquadrada como microempresa (ME), ou seja, no pouco tempo de existência, sua receita bruta anual não chegou à quantia de R$ 360.000,00. Assim sendo, o valor do contrato com o Município de Girau do Ponciano (R$332.510,00) corresponde quase ao limite fiscal de faturamento bruto anual que a contratada se enquadra.
O Ministério Público de Contas também não localizou qualquer contratação pública da referida empresa com a União ou o Estado do Rio de Janeiro, seu estado sede, conforme pesquisa realizada nos respectivos portais de transparência.
“Mostra-se absolutamente temerária a celebração de um contrato de mais de R$ 330 mil com uma microempresa individual, de capital social e faturamento anual bruto baixos em relação ao montante do negócio, com pouco tempo de existência, sem retrospecto de contratação com a Administração Pública e sem qualificação técnica-operacional quanto ao objeto da contratação”, alertou o Procurador de Contas.
A análise do MPC/AL aponta ainda para um possível superfaturamento do contrato, uma vez que a completa ausência de qualificação técnica e a duvidosa capacidade econômico-financeira da empresa contratada, ao lado da existência de múltiplos fornecedores especializados, constituem, no seu conjunto, fortes indícios de fraude na contratação da ALAFIA EMPREENDIMENTOS EIRELI-ME.
Segundo o Procurador, ainda que esse provável cenário de graves irregularidades não reste comprovado e a empresa consiga executar o objeto contratado, há a necessidade de se apurar possível dano decorrente de superfaturamento no pagamento do valor de R$ 332.510,00 para aquisição da central de gases medicinais. Os fortes indícios de ausência de capacidade técnica apontam que a ALAFIA EMPREENDIMENTOS EIRELI-ME possa agir como mera intermediária na revenda do produto adquirido de um fornecedor especializado.
“Ocorrendo esse fato hipotético, incide a presunção de que o preço pago pelo município à empresa interposta seja significativamente superior àquele que seria contratado caso tivesse optado pelo fornecedor direto e especializado. Ademais, é regra básica de mercado que a especialização gera menores custos, de modo que, em geral, empresas que desenvolveram expertise na produção e venda de determinado produto ou serviço possuem maior capacidade técnica, operacional e financeira de oferecer melhores preços e prazos do que os praticados por outras empresas alheias ao ramo do negócio e/ou que atuam apenas como revendedora”, esclareceu Rafael Alcântara.
O Procurador de Contas lembra que, mesmo possuindo boa margem de discricionaridade para cumprirem o seu poder-dever de comprar com qualidade, eficiência e economia um equipamento hospitalar de considerável porte, como a central de gases medicinais, os gestores públicos de Girau do Ponciano privilegiariam uma microempresa individual da construção civil situada na periferia do Rio de Janeiro (bairro de Bangu), sem qualquer capacidade técnica e de duvidosa qualificação econômico-financeira para o objeto do contrato, em detrimento das empresas especializadas do mercado, que notoriamente detêm maior expertise e, via de regra, praticam melhores preços e prazos.
Por ora, a medida cautelar pleiteada pelo MPC/AL limita-se à determinação aos gestores públicos para que eles não realizem o pagamento de qualquer quantia à ALAFIA EMPREENDIMENTOS EIRELI-ME relativo ao Contrato n. 015/2020 (Dispensa de Licitação n. 05/2020), sob pena de multa pessoal e solidária no montante do valor do contrato. Neste sentido, restaria preservado o interesse público na eventual entrega do equipamento hospitalar, na hipótese de cumprimento do contrato, ficando sobrestado o pagamento até a apuração da regularidade da contratação e da sua compatibilidade com o preço de mercado.
Agora, compete ao Conselheiro Substituto Alberto Pires a análise monocrática da representação com pedido de medida cautelar, pleiteada pelo MP de Contas.
A Polícia Federal, Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual, Tribunal de Contas da União e Controladoria Geral da União também serão notificados para tomarem ciência sobre o caso.
A Prefeitura de Girau do Ponciano disse que ainda não foi notificada sobre qualquer irregularidade nas contratações de bens ou serviços para o hospital de camanha por qualquer órgão de fiscalização.
Veja a nota de esclarecimento na íntegra.
“O Município de Girau do Ponciano vem a público esclarecer que até a presente data não foi notificado acerca de qualquer irregularidade de contratações de bens ou serviços para seu Hospital de Campanha por qualquer órgão de fiscalização. No entanto haja visto a matéria veiculada em vários órgãos de impressa, dando conta de indício de fraude na contratação de central de gases medicinais, segundo fala do Representante do Ministério Público de Contas, inicialmente o Município lamenta a veiculação de informes indiciários e/ou acusatórios na imprensa, antes mesmo de qualquer notificação ou ato formal de ciência, o que viola o devido processo legal e por via de consequência o Estado Democrático de Direito. Por oportuno, insta esclarecer o Município seguindo as normas pertinentes de contratação, celebrou o contrato de instalação de rede de distribuição e central de gases medicinais, cuja empresa contratada realizou a contento o serviço de instalação, mediante serviço técnico especializado, e no tempo aprazado, não obstante a localização de sua sede ser em outro estado da federação, e principalmente, mediante prática de preço mercadológico; de modo ser prematuro se falar em fraude e/ou superfaturamento. Por fim, o Município se põe à disposição para quaisquer esclarecimentos, principalmente perante os órgãos de controle, demais autoridades, órgãos de impressa e a toda sociedade alagoana”.
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