
A vendedora Luciene de Souza, 27, registrou um boletim de ocorrência na 27ª DP do Rio de Janeiro (Vicente de Carvalho) no qual acusa uma médica de lesão corporal após uma cirurgia. A jovem conta que perdeu a audição, parte da visão e o movimento parcial do corpo depois de passar por uma cirurgia de implante de prótese de silicone, em julho de 2024.
Em nota do advogado João Paulo Cruz, que representa Gonzalez, a médica afirma que “não há qualquer indício de falha médica ou condenação” contra ela e que “confia plenamente na elucidação dos fatos”.
No boletim de ocorrência, registrado no último dia 9, Luciene afirmou que a médica “não fez o acompanhamento adequado durante sua permanência no hospital”. Passados quase nove meses da cirurgia, Luciene segue paraplégica, com 30% da visão comprometida, usa sonda vesical (para drenar a urina da bexiga) e não recuperou a audição.
Na legenda do vídeo publicado nas redes sociais, Luciene explica que não expôs o caso antes “por achar que a situação mudaria”. “Mesmo com toda a situação, a doutora me deu alta e me mandou para casa”, conta.
A Polícia Civil do Rio de Janeiro solicitou documentos do Hospital Semiu e investiga o caso. Sandra ainda não foi chamada para depor.
Hospital Semiu, unidade particular onde a cirurgia foi feita, afirmou em nota que a médica não tem vínculo com o local, “de modo que a referida cirurgia se deu de forma autônoma e sob exclusiva responsabilidade” de Gonzalez, e que o hospital “apenas cedeu suas instalações para a realização do procedimento”.
“Importante destacar que é comum e rotineiro que médicos sem qualquer relação de preposição com hospitais utilizam-se dos centros cirúrgicos dos nosocômios para realizarem procedimentos médicos em seus pacientes, como no caso em questão, sendo esses médicos responsáveis pelo pré e pós cirúrgico dos pacientes”, diz o comunicado. “As obrigações assumidas diretamente pelo complexo hospitalar em casos como esses ficam adstritos ao fornecimento de recursos materiais (instalações adequadas), aos quais a paciente jamais se queixou”.
Ainda segundo a nota, o hospital diz que “possui toda estrutura e suporte necessário para garantir a segurança para o tipo de procedimento que fora realizado pela paciente Luciene de Souza”.
O Cremerj (Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro) informou que abriu investigação após repercussão do caso. Questionado sobre quais medidas estão sendo tomadas, o conselho respondeu que a investigação corre em sigilo.
O procedimento era um sonho antigo de Souza. Custou cerca de R$ 20 mil, o que incluiu a internação no Hospital Semiu.
No prontuário enviado por familiares da vendedora, a equipe médica relata inicialmente que o procedimento “ocorreu sem anormalidades” e que a paciente “retornou para a clínica médica”.
Uma neurologista, no documento, encontrou quadro compatível com a Síndrome de Devic, uma doença autoimune, e recomendou a medicação que devolveu parte da visão para Luciene. Diante da avaliação da colega, Sandra assinou a alta hospitalar de Luciene e afirmou em documento que continuaria o acompanhamento do pós-operatório em consultório.
No documento, a médica a orientou a procurar uma universidade privada para iniciar o tratamento da doença apontada.
Em casa, a família identificou que Luciene necessitava de cuidados especiais. Dandara Castro, prima de Luciene e técnica de enfermagem, afirma que a médica custeou itens como cadeira de rodas e uma cama especial.
Semanas após a alta, Luciene ainda tinha uma secreção contínua nas mamas, e Sandra a encaminhou para o Hospital Municipal Souza Aguiar.
Na internação, em agosto de 2024, foi constatada a necessidade de cirurgia para retirada das mamas, sob risco de infecção grave. As sequelas não foram tratadas ou investigadas, segundo a prima.
“Eu [estava] sem ouvir, sem enxergar e sem andar, mas isso ela [Sandra] não quis saber se foi através da cirurgia que eu fiquei assim. Se fosse para ficar antes, eu ficaria antes”, conta Luciene em vídeo gravado e publicado em redes sociais.
Sem avanços sobre o quadro neurológico e as sequelas, Luciene recebeu alta em outubro. Mesmo com encaminhamento para tratamento, a família afirma que continua sem suporte.
“Quando eu fui para casa, a doutora nunca mais quis saber de mim. Disse que não poderia me ajudar e eu tenho que me virar com tudo, para cuidar de tudo”, diz a paciente.
Hoje, Luciene é cuidada por familiares. Amigos e doações custeiam as medicações para dor e ajudam a vendedora autônoma no sustento de seus filhos.
“Os médicos não aceitam [tratá-la], os hospitais não aceitam. Ela tem febre e a UPA [Unidade de Pronto Atendimento] a manda de volta para casa. A gente segue pedindo essa solução porque não sabe o que aconteceu, se é reversível ou não”, afirma a prima Dandara.
Em nota enviada pela defesa, Gonzalez afirma ser uma profissional “com uma trajetória consolidada em cirurgia plástica ao longo de mais de 20 anos e 2.500 procedimentos realizados”. “Conduzo minha prática com empatia, comprometimento e um profundo zelo pelo bem-estar de cada paciente”, diz.
Sobre o caso da vendedora, diz a médica, “reafirmo que todos os cuidados foram prestados com responsabilidade, seguindo os protocolos técnicos da especialidade. A paciente foi devidamente orientada antes da cirurgia, recebeu assistência pós-operatória contínua por mais de 30 dias e permaneceu sob acompanhamento até meu afastamento, por divergências com familiares quanto aos limites legais da atuação médica”.
Ainda conforme a profissional, “não há qualquer indício de falha médica ou condenação contra mim. Confio plenamente na elucidação dos fatos e sigo firme no compromisso com a medicina responsável, ética e transparente”.
“Mesmo diante disso, sigo à disposição para qualquer esclarecimento, sempre respeitando o sigilo profissional e as normas éticas que regem minha profissão”, diz na nota.
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