“Quando eu vi que o responsável pela morte do meu pai estava preso, eu tive uma crise de choro. Foi uma explosão de sentimentos que viraram lágrimas de alívio, pois parecia que esse dia nunca chegaria”, disse ao g1 a escrivã Gislayne Silva de Deus, de 36 anos. Ela teve o pai assassinado e participou da operação da Polícia Civil de Roraima que prendeu o acusado pelo crime 25 anos depois, na quarta-feira (25).
Gislayne era a mais velha de cinco filhos de Givaldo José Vicente de Deus e tinha 9 anos quando perdeu o pai. Ele foi assassinado com um tiro à queima roupa, disparado por Raimundo Alves Gomes, que cobrava uma dívida de R$ 150 em 1999.
Foragido desde 2016, o homem, de 60 anos, foi preso na quarta-feira (25) em Boa Vista. Raimundo Alves Gomes teve o primeiro mandado de prisão expedido ainda em 2016. Ele foi julgado e sentenciado em 2013 pelo Tribunal do Júri, do Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR), por matar Givaldo José Vicente de Deus, à época com 35 anos. Ele foi julgado 14 anos depois do crime e condenado a 12 anos de prisão pelo homicídio.
“Quando o vi na delegacia, fiz questão de dizer a ele quem eu era e que eu tinha sido responsável pelo cumprimento do mandado de prisão”, disse Gislayne ao g1.
Na quinta-feira (26), Raimundo Gomes passou por audiência de custódia, que manteve a prisão, e foi encaminhado para o sistema prisional de Roraima. A defesa dele informou que não vai se manifestar no momento.
Gislayne relatou ter sentido um “choque” e confessou ter tirado um peso de anos quando recebeu a notícia da prisão: “esse momento trouxe uma paz enorme para mim e para minha família”. Por isso, ela fez questão de contar para as suas irmãs.
“Compartilhei a notícia com a minha família, e todos sentiram uma grande sensação de paz e justiça. Esperamos por muito tempo, e, mesmo desacreditados, conseguimos alcançar esse momento. O choro foi de alívio, pois, após tanto tempo, parecia que um peso enorme havia saído das minhas costas”, explicou a escrivã.
“Eu não sabia o quanto isso era importante para mim até aquele momento. Eu não tinha noção do quanto isso estava pesando há anos até que eu tirei o peso das costas”, disse.
Para Gislayne, a incerteza já havia se tornado uma certeza, por isso foi impossível segurar a emoção. Ela conta como foi ficar de frente com a pessoa que tirou a vida do seu pai.
“Durante o momento em que conversei com ele, Raimundo apenas disse que não queria que aquilo tivesse acontecido, mas eu sabia que ele tinha plena consciência dos seus atos”.
“Nós nos acostumamos a viver com a incerteza, sempre nos perguntando se algum dia conseguiríamos localizá-lo”, disse ao g1.
Crime, condenação e prisão – A prisão de Raimundo, feita por policiais da Delegacia Geral de Homicídios, foi na noite da última quarta-feira (25), em uma área de chácaras no bairro Nova Cidade, também na zona Oeste de Boa Vista. Um vídeo registrou o momento em que a escrivã ficou frente a frente com o assassino do pai.
O crime aconteceu no bairro Asa Branca, na zona Oeste de Boa Vista, durante uma briga por uma dívida de R$ 150 que a vítima tinha com o criminoso.
Após atirar, Raimundo foi obrigado por um amigo da vítima a levá-la ao hospital, mas fugiu e foi preso pela polícia. Ele foi solto depois. Gislayne e as irmãs, outras quatro filhas de Givaldo, ficaram, então, órfãs. A mais nova tinha apenas 2 anos quando o crime ocorreu e cresceu sem lembranças do pai.
Raimundo Gomes foi julgado e sentenciado pelo Tribunal do Júri, do Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR), 14 anos depois do crime, em 2013. Ele foi condenado a 12 anos de prisão pelo homicídio, e o caso transitou em julgado (teve a tramitação concluída) no mesmo ano.
O crime de homicídio prescreve após 20 anos, a partir da sentença condenatória e se a pena for maior que 12 anos. No caso de Raimundo, que teve a pena de 12, a prescrição seria em 16 anos a contar da conclusão do julgamento, ou seja, em 2031 — faltavam sete anos para que isso acontecesse, explicou o Bruno Caciano, advogado e presidente da Associação Nacional da Advocacia Criminal (Anacrim) em Roraima.
Carinhoso e trabalhador – Além de Gislayne, Givaldo deixou outras quatro filhas, sendo Gislayne (a mais velha) e uma outra do primeiro casamento, duas do segundo casamento e outra de um relacionamento. O g1 conversou com Gislayne que relembra do pai como um homem “trabalhador e honesto que sempre incentivou os estudos”.
Por ser a mais velha, ela é a única das irmãs que lembra com detalhes da presença do pai. Quando os pais da policial se separam ela chegou a morar uns anos só com Givaldo, depois foi viver com a mãe mas nunca havia perdido o contato com o pai até a morte. Maranhense, Givaldo veio para Roraima em busca de uma vida melhor.
“Eu tinha uns quatro anos, mais ou menos, quando fiquei morando com ele, enquanto minha irmã foi morar com minha mãe. Então, eu sempre tive mais contato com ele do que minhas outras irmãs”, lembrou.
“Ele era muito carinhoso com a gente, gostava de brincar, fazer cócegas e era muito trabalhador, apesar de ser um pouco danado. Sempre foi uma pessoa muito esforçada e buscou criar os filhos da melhor forma possível”, contou a policial ao g1.
Ela relembra que o pai sempre incentivou os estudos à Gislayne — conselho que ela seguiu à risca, já que passou em dois concursos públicos para policial.
“Ele sempre pedia para fazermos as atividades e ficava cobrando. Lembro que ele nos ensinava a tabuada e depois perguntava para ver se tínhamos aprendido. Ele sempre foi muito próximo e cuidadoso conosco”, disse Gislayne.
Após o falecimento do pai, embora ainda fosse uma criança de 9 anos, ela lembra da dor que sentiu e das dificuldades. Hoje, mãe de um filho pequeno, ela comemora as mulheres que ela e as irmãs se tornaram.
“Ele [Raimundo] deixou uma família desestruturada, com cinco filhos, e as nossas mães tiveram que lutar muito para nos criar. Esse acontecimento poderia ter nos levado para outros caminhos, mas nossas mães sempre nos ensinaram a seguir o caminho certo”, afirmou.
Formação em direito e aprovação em concursos –
Aos 18 anos, em 2007, Gislayne começou a cursar direito em uma faculdade particular e, sete anos depois, se tornou advogada. Ela não planejou seguir a vida policial mas, acabou prestando concurso e foi aprovada.
Em 2022, ela ingressou na polícia penal de Roraima e atuou na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo e também no Departamento do Sistema Prisional (Desipe), inclusive durante sua gravidez. Ela contou que ao trabalhar em uma unidade prisional, imaginava ver o assassino do pai, enfim, preso.
“Quando eu era [policial] penal, eu imaginava sempre ele chegando lá para cumprir a pena dele”, afirmou a policial.
Um ano depois ela foi aprovada no concurso público da Polícia Civil e no dia 19 de julho de 2024 assumiu como escrivã.
Ao ingressar na corporação, ela fez um pedido específico: ser lotada na Delegacia Geral de Homicídios (DGH). Gislayne acreditava que, por meio da unidade, poderia encontrar e, finalmente, prender o autor do crime.
No departamento, ela reuniu informações sobre o paradeiro do homem e localizou o último mandado de prisão, expedido em 2019 pela Justiça de Roraima.
‘Me tornar um exemplo’ – A princípio, Gislayne não queria seguir na carreira jurídica. Ela relembra que tinha três coisas que ela não gostaria de ser: policial, advogada ou juíza — dessa lista, só falta a juíza. O motivo era a descrença na Justiça. O tempo foi passando, Gislayne foi crescendo e ela foi “entendendo como as coisas funcionavam”.
“Na Polícia Civil, minha intenção era, além de buscar justiça, ajudar outras pessoas que passavam pelo mesmo tipo de dor que eu vivi. Sabemos que as investigações de homicídios podem ser muito demoradas, especialmente quando não há identificação imediata do autor. Mesmo com recursos limitados, a equipe de investigação faz um trabalho excepcional, resolvendo muitos casos”, ressaltou a policial civil.
Agora, com a repercussão da história, Gislayne quer se tornar um “exemplo para jovens órfãos”.
“Hoje, eu tenho um filho, e o que eu mais quero passar para ele é que, agindo da forma correta, ele conseguirá alcançar seus sonhos sem precisar passar por cima de ninguém. Não é necessário buscar a vingança ou agir de forma errada para conseguir justiça”, disse a escrivã.
“Eu quero que essa história sirva de exemplo para outros filhos que assim como eu perderam o pai ou a mãe de forma violenta”.
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