É comum estudantes prestes a concluírem seus cursos de graduação organizarem rifas para arrecadar dinheiro para financiar a festa de formatura. Sorteiam-se celulares, aparelhos de tevê, viagens, enfim, uma série de produtos que possam gerar interesse das pessoas em participar do financiamento da festividade.
Mas em Maceió, no mesmo mês em que o assédio do ator José Mayer a uma figurinista da Rede Globo ganhou repercussão nacional, surge um grupo de estudantes rifando um encontro com uma garota de programa por R$ 10,00, cujo sorteio está programado para o dia 16 de junho, em transmissão ao vivo pelo Instagram.
Não bastasse a naturalização da exploração sexual da mulher, o fato é crime. De acordo com o Código Penal brasileiro, lucrar – mesmo que por um pequeno momento – com a prostituição de terceiros é ilegal e pode dar cadeia.
Não bastasse a naturalização da exploração sexual da mulher, o fato é crime. De acordo com o Código Penal brasileiro, lucrar – mesmo que por um pequeno momento – com a prostituição de terceiros é ilegal e pode dar cadeia.
A reportagem da Tribuna Independente apurou o caso, que viralizou nas redes sociais. Num primeiro momento, para identificar os organizadores da rifa, a equipe simulou interesse pela compra de um ticket. O encontro ocorreu na noite da última quarta-feira (5).
São três estudantes do curso de Engenharia Mecânica, da Faculdade Pitágoras, localizada na parte alta de Maceió, que organizaram a rifa de garotas de programa. O que abordou o membro da reportagem se chama Eric Marques. Os nomes dos demais não foram revelados.
“Essa rifa não é da turma e sim para nós três fazermos uma formatura só nossa, mas o restante da turma está comprando nossa rifa, mais até que a da formatura geral”, comenta o estudante.
Segundo ele, as garotas de programa disponíveis para o encontro do sorteado constam no catálogo do site Tops de Maceió.
“É só escolher lá. Com algumas nós fizemos contato para publicar fotos no perfil que fizemos no Instagram de divulgação do sorteio. Nós também não temos relação com o site”.
Procurado na última quinta-feira (6), Eric Marques, por telefone, negou envolvimento com a organização da rifa e que apenas ouviu falar dela.
“Vejo comentários que é um pessoal da Faculdade, mas eu não tenho nada a ver com isso. Até já me perguntaram antes se eu estou fazendo isso. Soube via WhatsApp que seriam alunos de Direito, mas não sei de qual instituição. Eu mesmo não tenho nada a ver com isso, se eu disser que não sei da história eu estou mentindo, porque ela está rolando em vários grupos. Vou até tentar entrar em no perfil [Instagram] para saber dessa história e quem são. Fiquei até preocupado, uma equipe de reportagem me ligando. Mas de fato não tenho nada a ver”, diz o estudante.
Ainda ontem, o perfil do Instagram onde seria realizado o sorteio do vencedor foi retirado do ar. A reportagem tentou localizar novamente as postagens, no entanto, todas elas foram apagadas.
Crime
MP Estadual já deu início à investigação
O Ministério Público Estadual (MPE), através da promotora de Justiça Dalva Tenório, que atua junto à 14ª Vara Criminal da Capital, revelou à Tribuna Independente que já pediu abertura de inquérito para investigar o caso. Para ela, rifar garotas de programa é crime.
“Isso é incentivo à prostituição e, inclusive, já pedi que fosse aberto inquérito para analisar o caso. O pedido foi encaminhado à Central de Delegacias. Até pode haver a discussão de que se rifar [garotas de programa] é crime, apesar de eu não ter dúvidas. Mas o fato de fomentar e incentivar a prostituição é crime”, diz a promotora.
Para a representante do MPE, o que mais lhe chama a atenção é o fato de serem estudantes universitários os organizadores da rifa.
“O que me deixa mais chocada não é fato do crime em si, mas o fato de serem estudantes. São pessoas com acesso à cultura e tratam isso como se fosse brincadeira, sem analisar a ética, usos e costumes e a situação que nós vivemos hoje, onde se tenta melhorar a sociedade. É realmente constrangedor para uma faculdade ter um grupo desse”, comenta Dalva Tenório.
Para o advogado Welton Roberto, especialista na área criminal e professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), os organizadores da rifa cometeram crime, mesmo que o objetivo do sorteio seja o financiamento de festa de formatura. “É crime. Estão explorando prostituição alheia para poder ganhar dinheiro. Não tem nem o que dizer. Não interessa se é para formatura. Não dá para entender como estudantes universitários agem dessa forma. Eles podem pegar de um a quatro anos de reclusão, conforme o artigo 230 do Código Penal.”, explica o advogado.
“A autoridade policial que tomar conhecimento dessa ação pode de imediato instaurar inquérito policial para apurar o autor da conduta, as garotas contatadas para participar do sorteio, quanto eles arrecadaram e encaminhar ao Ministério Público para instaurar ação penal”, completa Welton Roberto.
Tanto a promotora Dalva Tenório quanto Welton Roberto afirmam que nunca tomaram conhecimento de uma rifa de garotas de programa organizada em Maceió.
Relações machistas
Trato às mulheres como objeto está naturalizado
Para a socióloga Solange Enoi, a venda de rifas para sortear garotas de programa é mais um exemplo de como a mulher é tratada como objeto.
“Isso está naturalizado. Desde criança a gente é acostumada a isso. Por isso o debate que as mulheres têm feito ultimamente é importante, para acabar com essa naturalização”, diz a socióloga.
Segundo ela, a escolarização e a faixa de renda não importam para determinar se há ou não comportamentos machistas nas relações entre as pessoas.
“Não importa o grau de instrução e nem de classe. O machismo está em todos os lugares. Pode até ser mais forte entre os mais pobres, mas não somente. Isso não é ‘mi mi mi’ do movimento feminista, isso é a realidade com que as mulheres têm de lidar todos os dias que a objetivação de seu corpo. Esse tipo de prática tem de ser denunciada para que termine e não se naturalize”, diz Solange Enoi.
Fonte: Tribuna Hoje
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