A reabertura gradativa dos serviços não essenciais em Maceió está marcada para sexta-feira (3), seguindo a mudança de fase no protocolo estabelecido pelo governo de Alagoas. Entretanto, especialistas entrevistados pelo G1 dizem que a decisão é precipitada e que a capital ainda não se encaixa nas recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a flexibilização.
O Estado se baseia nos dados da capacidade hospitalar instalada, evolução dos óbitos e taxa de crescimento da Covid-19, indicadores que compõem a Matriz de Risco, elaborada para nortear a retomada dos setores produtivos fechados desde março como forma de conter o coronavírus. Para o governo, esses índices revelam um controle da pandemia na capital.
Ainda é preciso que a prefeitura de Maceió oficialize as novas regras no decreto de emergência que deve ser anunciado nesta quinta-feira (2), mas o decreto estadual já permite reabertura de lojas ou estabelecimentos de rua de qualquer segmento, desde que tenha até 400 m², salões de beleza e barbearias (com 50% da capacidade) e templos, igrejas e demais instituições religiosas (com 30% da capacidade).
Só que para tomar essa decisão com segurança, é preciso atender mais que os indicadores da Matriz de Risco. É o que avaliam o professor Sérgio Lira, doutor do Instituto de Física da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e membro do subcomitê de modelos matemáticos e epidemiologia do Comitê Científico do Consórcio Nordeste; e o médico Lauro Pedroza, da Associação Brasileira de Médicas e Médicos Pela Democracia, grupo que contribuiu para a elaboração do Plano Nacional de Enfrentamento à Covid-19.
Os critérios da OMS, citados pelos especialistas como necessários para afrouxamento das medidas restritivas, são os seguintes:
- a transmissão da Covid-19 deve estar controlada;
- o sistema de saúde deve ser capaz de detectar, testar, isolar e tratar todos os casos, além de traçar todos os contatos;
- os riscos de surtos devem estar minimizados em condições especiais, como instalações de saúde e casas de repouso;
- medidas preventivas devem ser adotadas em locais de trabalho, escolas e outros lugares aonde seja essencial as pessoas irem;
- os riscos de importação devem ser administrados;
- as comunidades devem estar completamente educadas, engajadas e empoderadas para se ajustarem à nova norma.
“Avaliamos que Maceió não passa nesses critérios, tendo em vista que não há programa de rastreamento de casos, o número de casos não vem caindo, na segunda-feira a ocupação de leitos de UTI chegou a 95%, e boa parte da população não está fazendo uso adequado de máscaras”, afirma o pesquisador Sérgio Lira.
O G1 entrou em contato na tarde de quarta (1) com a Secretaria de Estado da Saúde (Sesau), que coordena a avaliação dos indicadores para a reabertura, mas até a última atualização desta reportagem não tinha recebido resposta sobre os questionamentos levantados pelos especialistas.Evolução diária dos casos de Covid-19 em MaceióCasos confirmados20/0621/0622/0623/0624/0625/0626/0627/0628/0629/0630/0601/07100200300400500600Fonte: SesauEvolução diária das mortes por Covid-19 em MaceióCasos confirmados20/0621/0622/0623/0624/0625/0626/0627/0628/0629/0630/0601/0702,557,51012,51520/06
● Casos confirmados: 13
Fonte: Boletim epidemiológico diário da Sesau
Embora o governo do estado tenha classificado a situação da capital como de risco moderado alto, o professor disse que Alagoas e os demais estados do Nordeste ainda estão em situação de alto risco em relação ao novo coronavírus.
“O Comitê Científico do Consórcio Nordeste emitiu em seu boletim 08 do dia 01 de junho uma matriz de risco que deveria ser adotada pelos estados como parâmetro objetivos para delinear estratégias de fechamento ou reabertura. Esta matriz foi elaborada com base nestes critérios da OMS e em planos de flexibilização de países como Reino Unido e França. Com base em três classes de critérios (tensão no sistema hospitalar, espalhamento da epidemia e isolamento social), faixas de risco são atribuídas com as cores verde, amarela e vermelha. Aqui em Alagoas, assim como em outros estados do Nordeste, estamos com classificação vermelha nas três classes, indicando alto risco em todas elas. Infelizmente esta matriz não foi amplamente adotada pelos governos estaduais”, diz Lira.
Outro dado questionado pelos especialistas é de que a tendência de redução de mortes por Covid-19 na capital nas últimas semanas epidemiológicas seja suficiente para justificar uma reabertura. Tanto o pesquisador Sérgio Lira quanto o médico Lauro Pedroza concordam que essa queda ainda é insuficiente.
“Não é uma queda que justifique a reabertura, ainda mantém um nível alto de óbitos. É um patamar de mortes inaceitável para uma doença previnível”, afirma Pedroza.
“De acordo com os dados divulgados pela Sesau, em Alagoas há uma tendência de estabilização, tanto de casos como de mortes. Há uma melhora considerável na taxa de novos contágios em Maceió, mas uma piora no interior. No entanto, o que a experiência de outros estados brasileiros e americanos nos mostra, é que uma flexibilização do isolamento nesse momento sem um grande monitoramento dos casos leva a um grande rebote de casos e hospitalizações. Além disso, a rede hospitalar alagoana não possui folga para absorver uma demanda crescente devido a uma flexibilização”, avalia o pesquisador.
Começa na sexta reabertura de lojas do comércio, igrejas, templos e salões de beleza
O médico demonstrou ainda preocupação em relação à taxa de ocupação de leitos, que estava em 84% em Maceió e 79% em todo o estado, segundo última atualização, feita às 17h de quarta (1). “O recomendado é que o nível fique em no máximo 60%”.
O governo, porém, considera não somente os leitos de UTI, mas todos os leitos com respiradores. Um erro, na avaliação do médico Lauro Pedroza. “Leitos com respiradores não são leitos de UTI. Leitos de UTI não precisam só de respiradores, precisam de equipe de terapia intensiva, porque quem trata é a equipe e não o respirador”.
O Comitê Científico do Consórcio Nordeste recomenda medidas mais eficazes para o enfrentamento da pandemia em Alagoas.
“As recomendações além destes indicadores são de investir em prevenção de casos através do rastreamento da cadeia de contágios, quarentena eficiente de suspeitos, campanhas de distribuição e educação do uso de máscaras. Os gestores estaduais devem articular estas medidas com os municípios, utilizando os agentes de saúde primária na busca ativa de casos”, orienta Lira.
Governo do estado apresentou gráfico que mostra tendência de queda no número de mortes por Covid-19 em Maceió — Foto: Reprodução
É preciso ampliar a testagem
O médico Lauro Pedroza diz também que a maior falha de Alagoas é não identificar e monitorar casos novos de Covid-19. “Quando você conseguir baixar o número de casos novos, conseguir monitorar esses casos, acompanhar de perto e também ter uma folga na rede hospitalar, aí sim você pode pensar em flexibilização”.
A realização de testes sorológicos rápidos em maior número do que os testes RT-PCR (que detectam o material genético do vírus e são considerados mais confiáveis) também é questionada. Entidades médicas indicam que o resultado negativo do teste rápido não é confiável para indicar redução de novos casos, porque o corpo pode ainda não ter produzido anticorpos em quantidade detectável, resultando em falso negativo.
“Quando o estado deixa de fazer o PCR, deixa de identificar os casos e de ter a oportunidade de monitorar esses casos. O estado não está testando praticamente nada. O recomendado é o PCR e não o teste rápido. Alagoas precisa voltar a testar mais com PCR. O estado precisa ir para a comunidade por meio de agentes de saúde, ir para as ruas, e acompanhar os casos. Quem chega no hospital já está doente. O recomendando é monitorar antes”, alerta Pedroza.
Para o médico, o momento não é de reabertura, mas de isolamento total compulsório, o chamado lockdown.
“Uma ou duas semanas de lockdown agora e esses números cairiam. O que precisa ser feito é diminuir o número de novos casos, para isso é preciso identificar esses casos e monitorá-los”, orienta o médico Lauro Pedroza.
E faz um último alerta, para que Alagoas não perca o controle do vírus como aconteceu com Manaus.
“O Estado não está levando em conta o que a ciência diz sobre o vírus. Esse é o x da questão. Não está levando em conta o que a ciência fala sobre a disseminação do vírus, não está levando em conta exemplos de países que conseguiram ter respostas positivas, que foi por meio de monitoramento de casos”, afirma o médico.
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