Engana-se quem pensa que a revelação de padres da Igreja Católica que mantinham relações sexuais com coroinhas ficou restrita apenas ao Brasil e ao ano de 2010. O fato correu o mundo e se somou a uma série de escândalos sexuais que envolveu a mais antiga das igrejas cristãs do planeta no final da primeira década dos anos 2000.
Com a estreia nos cinemas brasileiros na última quinta-feira (7) do filme estadunidense Spotlight (holofote em inglês), que mostra como se deu o trabalho de apuração de uma equipe de repórteres do jornal Boston Globe para revelar que 70 padres católicos da cidade de Boston cometiam atos de pedofilia, o caso arapiraquense volta a ganhar o mundo. Isso porque, ao final do filme, uma lista com as localidades onde casos semelhantes foram descobertos é exibida e Arapiraca está entre elas.
O caso na cidade do Agreste alagoano tornou-se público após a exibição de uma reportagem no SBT elaborada pelo jornalista Roberto Cabrini. Ele teve acesso a um vídeo, que ainda pode ser encontrado na internet, em que o então ex-monsenhor Luiz Marques Barbosa mantinha relações sexuais com um de seus coroinhas. No momento da gravação, quem faz sexo oral com o religioso é Fabiano da Silva, cuja idade na época do vídeo, em 2009, era 19 anos. Contudo, ele afirma que sofria abusos desde os 12 anos.
Outros dois coroinhas se juntaram a Fabiano para realizar as denúncias, Cícero Flávio Barbosa – que realizou a filmagem de sexo entre o então monsenhor Luiz Marques Barbosa e Fabiano – e Anderson Farias Silva. Os três afirmam que mais dois sacerdotes, o monsenhor Raimundo Gomes e o padre Edilson Duarte, também praticavam atos de pedofilia contra eles, desde que tinham 12 anos de idade.
Por esse motivo, todo o processo segue seu rito em segredo de justiça no Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ/AL), cujo relator é o desembargador Otávio Praxedes, e sem prazo para ser concluído. Porém, como é público, os três padres foram condenados em primeira instância em dezembro de 2011, após meses de julgamento – iniciado em julho – e a vinda da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pedofilia do Congresso Nacional presidida pelo senador Magno Malta.
Os dois então monsenhores foram condenados a 21 anos de prisão e o, também à época, padre Edilson a 16 anos e quatro meses de prisão, mas respondem o processo em liberdade. Raimundo Gomes faleceu em 2014, vítima de complicações por causa de um Acidente Vascular Cerebral (AVC) e todo o processo contra ele foi extinto devido a sua morte.
Durante a sessão da CPI da Pedofilia, e em entrevista ao jornalista Roberto Cabrini em abril de 2010 – um mês após a exibição da primeira reportagem que revelou os atos dos padres arapiraquenses, padre Edilson confessou que ele e seus colegas praticavam atos de pedofilia contra seus coroinhas.
Ex-padres Luiz Marques (sentado); Edilson Duarte (ao meio) e Raimundo Gomes, já falecido, fotografados à época do julgamento (Foto: Davi Salsa / Arquivo)
Ao repórter do SBT, padre Edilson admitiu todos os atos de que é acusado e revelou que também sofreu abusos quando tinha 12 anos de idade por um vizinho. Ele também afirmou que o abuso de coroinhas era sistemático em Arapiraca. “O Monsenhor Luiz Marques tinha relações sexuais com o Fabiano desde que ele tinha 12 anos. Nunca fiz nada porque já tinha os meus problemas”, acusa.
Edilson Duarte também inocenta Dom Valério Brêda, bispo diocesano de Penedo – Diocese cujas igrejas em Arapiraca são ligadas – de ter conhecimento dos abusos cometidos em Arapiraca. “Ele só ficou sabendo após a reportagem, também nunca me perguntou se eu cometi os abusos, apenas me afastou das atividades da Igreja. Mas não acho que isso foi omissão porque ele tomou as atitudes corretas para proteger a Igreja”, afirma durante a entrevista.
Já o ex-monsenhor Luiz Marques Barbosa, nega, desde o início do processo, que mantivesse relações sexuais constantes com seus coroinhas e que o ato sexual que foi gravado foi o único que cometeu.
Cabe destacar que em janeiro de 2012, o Vaticano expulsou da Igreja Católica os três sacerdotes envolvidos no escândalo. A decisão foi tomada logo após a condenação em primeira instância no julgamento ainda em Arapiraca em dezembro de 2011.
Após condenações, recursos em processos estão parados
Até o momento, o TJ/AL segue mantendo a decisão da primeira instância: condenação dos réus a 21 anos, para Luiz Marques, e a 16 anos e quatro meses, para Edílson Duarte. Com a demora para a conclusão do rito processual iniciado em 2011, o ex-monsenhor Luiz Marques, que tem entre 87 e 88 anos, pode, mesmo se condenado em última instância, nunca cumprir a pena que o Judiciário lhe impor por causa de sua idade avançada.
Contudo, segundo a assessoria de comunicação do TJ/AL a defesa recursou através de embargos de declaração e o desembargador James Magalhães pediu vistas em julho de 2015. O processo retomaria seu rito em setembro, mas segue parado e sem data para recomeçar. O desembargador se afastou das funções por motivo de doença. Seu substituto é Maurício Brêda. Ele até pode dar seu voto de vistas, mas não se sabe se o fará ou vai esperar a volta do titular da vaga que ocupa no momento.
Ambos os advogados dos dois sacerdotes – Edson Maia, do ex-monsenhor Luiz Marques; e Thiago Mota, do ex-padre Edilson Duarte – que estão sendo julgados por exploração sexual de menor, mesmo sem poderem dar detalhes sobre o processo por ele estar tramitando em segredo de justiça, afirmam que o caso vai demorar para ser encerrado.
O processo pode chegar até o Supremo Tribunal Federal (STF) e o tempo para entrar na pauta pode levar anos. “Não se tem ideia de quando o julgamento vai terminar no TJ/AL, quanto mais o fim de tudo”, comenta Thiago Mota.
Ex-coroinhas afirmam que sacerdotes praticavam atos de pedofilia contra eles desde que tinham 12 anos (Foto: Davi Salsa / Arquivo)
Segundo uma fonte do TJ/AL, que pediu para não se identificar, o último trâmite do processo foi uma votação na Câmara Criminal, onde o ex-padre Edilson obteve um voto favorável à sua absolvição, algo que não ocorreu em relação ao ex-monsenhor Luiz Marques. Esse voto favorável ao ex-padre, lhe dá mais chances de absolvição, segundo a fonte.
Já o procurador de justiça Luiz Barbosa Carnaúba diz acreditar que o processo deve voltar a tramitar até o próximo mês de março, com o julgamento dos embargos de declaração.
“Como foi o desembargador James Magalhães quem pediu vistas ao processo e ele está ausente por doença, acredito que o presidente da Câmara Criminal, o desembargador Fernando Tourinho, vai pedir o processo de volta e designar outro membro do colegiado para dar seu voto. Após esse rito, tudo deve caminhar rapidamente”, diz Luiz Barbosa Carnaúba.
Para o procurador, o pedido de embargos de declaração é uma medida protelatória e serve como tática à defesa já visando o julgamento na instância superior que se dará no Superior Tribunal de Justiça (STJ) na capital federal. Ele explica que o julgamento não vai ao plenário do TJ/AL e quando for concluído na Câmara Criminal, se for da vontade da uma das partes, segue para Brasília.
O número do processo em tramitação em segredo justiça no TJAL é 0001496-10.2010.08.02.0058.
DANO MORAL
Em paralelo ao processo criminal contra os ex-sacerdotes Luiz Marques e Edilson Duarte, tramita ainda em primeira instância outra ação por dano moral dos ex-coroinhas Anderson Farias da Silva, Cícero Flávio Barbosa e Fabiano da Silva. Nessa ação também está inclusa a Diocese de Penedo e o bispo Dom Valério Brêda. O valor da indenização é de três milhões de reais.
O processo de indenização por dano moral começou a tramitar em janeiro de 2013 sob o número 0000539-04.2013.8.02.0058. O juiz responsável é Giovanni Alfredo de Oliveira Jatubá. Em sua última decisão sobre o caso, o magistrado indeferiu o pedido de indisponibilidade dos bens dos réus, Luiz Marques, Edilson Duarte, Dom Valério Brêda e da Diocese de Penedo.
Segundo o juiz, há muitas dúvidas em relação à necessidade de bloquear os bens dos réus no processo por dano moral por não haver comprovação de que eles possuem bens que possam pagar a indenização solicitada.
“Todos os questionamentos abordados resultam na insegurança deste Juízo, na impropriedade do deferimento da liminar, justamente porque as dúvidas caracterizam a ausência do fumus boni juris. Sedimentado na doutrina, pacificado na jurisprudência que decisão interlocutória de tamanha envergadura, de tamanha importância em função da repercussão na vida e interesses de cada qual dos réus, apenas pode ser deferida extreme de dúvida, os fatos argumentados na peça pórtico devem vir devidamente comprovados, fato que inocorreu nos autos”, despacha o magistrado.
Para André Chalub, defensor público que atuou como assistente da acusação no julgamento em primeira instância do caso, o valor de três milhões de reais na indenização por dano moral é pouco. “A Igreja é muito rica”.
A reportagem da Tribuna Independente tentou entrar em contato, por contato telefônico e por email, com a Diocese de Penedo para saber sua posição diante dos fatos e do processo por dano moral a que responde, mas até o fechamento dessa edição não obteve resposta.
Ex-padre Edilson alega inocência
A tese da defesa do ex-padre Edilson Duarte é de “absoluta inocência”, pois, segundo seu advogado, Thiago Mota, não há nenhuma prova de que seu cliente cometeu algum crime. “Homossexualismo não é crime no Brasil e a acusação contra o padre Edílson é de exploração sexual de menores, algo que ele jamais fez. Exploração seria se ele tivesse oferecido alguma vantagem para fazer sexo, fato que não ocorreu”, afirma.
Sobre a confissão de ter feito sexo com menores de idade durante a sessão da CPI da Pedofilia em Alagoas e ao repórter Roberto Cabrini que o ex-padre Edilson fez, Thiago afirma que “todos os sacerdotes foram colocados em uma situação de extrema fragilidade e, para tentarem fazer com que toda aquela situação, de exposição extrema, passasse logo, foram admitindo tudo o que lhes perguntavam”.
Jornalista Roberto Cabrini entrevista o ex-padre Edilson Duarte, que à época confessou ter feito sexo com menores, mas nega fato no processo (Foto: Reprodução / SBT)
Para o advogado não houve a comprovação de crime cometido pelos ex-sacerdotes e todo o processo é fruto de uma rechaça moral pelo fato de eles serem homossexuais. “O erro cometido foi do ponto vista das leis da Igreja Católica, mas do ponto de vista cível, dos homens, não. Sexo entre duas pessoas adultas não é crime, mesmo que seja sexo homossexual. Aliás, sexo consentido com uma pessoa de 14 anos não é crime no Brasil. E a exploração sexual não foi provada”.
LUIZ MARQUES
Já Edson Maia, advogado do ex-monsenhor Luiz Marques, relata que o ex-sacerdote está bem “dentro do possível para alguém que tem uma pendência da justiça não resolvida e diante da exposição que teve. Ele vive recluso”. O advogado não quis fazer nenhum comentário sobre o processo por ele estar tramitando em segredo de justiça. Ele apenas se limitou a comentar a inexistência de um prazo para seu término e que o processo estava “em recurso”.
MINISTÉRIO PÚBLICO
O responsável pela sustentação oral de acusação do Ministério Público Estadual é o procurador de justiça Luiz Barbosa Carnaúba. Em conversa com a Tribuna Independente, ele revelou que ainda não recebeu a documentação com os embargos de declaração para tomar dos argumentos da defesa. Porém, ele deve manter sua posição pela condenação dos réus, assim como fez no parecer que proferiu em outubro de 2013.
“Não há, pelo que eu tenha conhecimento, nada que me faça mudar de posição. Quando os embargos forem votados, eu farei a sustentação oral da posição do Ministério Público e manterei a defesa da confirmação da condenação em primeira instância”, diz Luiz Carnaúba.
“Imprensa local não teve coragem de apurar o vídeo”
Todo esse escândalo não teria sido revelado se o vídeo onde o ex-monsenhor Luiz Marques faz sexo oral com seu coroinha, então com 19 anos, Fabiano da Silva, não tivesse chegado às mãos do jornalista Roberto Cabrini. Quem levou o material a São Paulo foi o comerciante Alterman Lima.
Católico, ele afirma que sua intenção foi apenas fazer justiça contra o que ocorria nas igrejas de Arapiraca. A opção em levar o vídeo para São Paulo se deu, segundo Alterman, “porque, na época, a imprensa local não teve coragem de levar o assunto adiante. Depois que passou na televisão, todo mundo veio para Arapiraca. Mas antes ficavam me fazendo de bobo, indo para lá e para cá”.
Em sua avaliação, as revelações dos atos dos três sacerdotes em Arapiraca ajudaram a tornar a Igreja melhor na cidade. “As coisas melhoraram muito, o número de fieis nas igrejas arapiraquenses aumentou. Mas não duvido que ainda ocorram casos semelhantes por aí”, diz.
Alterman lembra que mesmo em São Paulo os veículos de imprensa não o levaram muito a sério até que, como ele diz, “esbarrou” com o Roberto Cabrini nos corredores do SBT que no ato aceitou apurar o caso.
“Eles mandaram gente para cá que ficou um bom tempo investigando”, comenta o comerciante não querendo mais prolongar a conversa com a reportagem da Tribuna Independente. O motivo, explica, “é por não querer certas circunstâncias que incomodaram muito, especialmente minha mãe”. Até em virtude disso, ele solicita que não seja tirada nenhuma fotografia sua.
“Não é nem por nada demais, não. Hoje eu ando tranquilamente pela cidade e frequento a igreja. É só para não pôr mais a mão no ‘vespeiro’. O que eu tinha que fazer, eu já fiz. Não me arrependo de nada e tudo o que disse em entrevista naquela época continua valendo”, comenta.
Reprodução do vídeo em que ex-monsenhor Luiz Marques fora flagrado em cena de sexo oral com ex-coroinha (Foto: Reprodução)
Antes de a conversa terminar, Alterman lembra que foi ele quem procurou os três ex-coroinhas, ao ouvir um burburinho de que tinham gravado o ex-monsenhor Luiz Buarque fazendo sexo oral com um deles – e se ofereceu para divulgar o material.
“Nem os conhecia, mas ouvi falar do vídeo. Fui atrás e os convenci a me dar uma cópia. Sai feito doido em todas as rádios da região e nada. Nas televisões e jornais em Maceió e nada. Só mesmo o SBT que apurou o conteúdo do vídeo”, diz.
Alterman, ao contrário do ex-padre Edilson Duarte em entrevista a Roberto Cabrini em abril de 2010, não isenta o bispo diocesano de Penedo de responsabilidade. Para o comerciante ele foi omisso, pois sabia de tudo e nada fez.
ESQUECIMENTO
Para Alterman Lima, a cidade de Arapiraca esqueceu os fatos revelados dentro da Igreja Católica na cidade. Hoje o assunto não faz mais parte das rodas de conversa entre as pessoas.
“Uma ou outra pessoa que lembra e comenta, mas nada demais. Um dos ex-coroinhas trabalha em autoescola da cidade e ninguém nem sabe que ele é quem é”, comenta.
Fonte: Tribuna Hoje
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