Entidades representativas de militares defendem a liberdade de expressão, conferida a todos os cidadãos brasileiros, pela Constituição Federal, para criticar o que chamam de autoritarismo, praticado por integrantes do Governo de Alagoas, para investigar membros das corporações que se manifestam politicamente.
Recentemente, a conduta de duas militares do Corpo de Bombeiros foi alvo de apuração disciplinar. A tenente-coronel Camila Paiva está na mira do Conselho Estadual de Segurança Pública (Conseg) após ter participado de um ato contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em Maceió. Ela chegou a gravar um vídeo no qual faz críticas diretas ao chefe da nação, sobretudo na conduta do governo no enfrentamento da pandemia.
Nessa semana, foi a vez da sargento Stephany Domingos virar notícia. Ela postou um vídeo nas redes sociais do momento em que se vacinou contra a Covid-19. Na gravação, ela defende a vacinação para todos. A postura está sendo objeto de apuração interna. As duas situações motivaram o debate nas redes sociais.
O sargento PM Wagner Simas Filho, presidente da Associação das Praças Militares de Alagoas (Aspra/AL), cita a Carta Magna para lembrar que todos os cidadãos têm o direito da liberdade de expressão, sem distinção. “Não vivemos mais sob uma ditadura militar. Apesar de sermos militares, somos servidores públicos civis. Prestamos concurso público para o Estado e não para a União, que tem as Forças Armadas, com regulamento bem específico e rígido”, destaca.
Segundo ele, o militar da União é preparado para proteger o país, enquanto os estados têm as suas leis específicas. “Existe um alinhamento da Polícia Militar com as Forças Armadas no que se refere ao quadro hierárquico e disciplinar, mas em um contexto diferente. O direito à liberdade de expressão é claro para todos os cidadãos”, compreende.
Simas classifica como arbitrariedade, por parte do Governo de Alagoas, tentar punir os militares que se expressarem, que mostram o seu sentimento, uma vez que não foi feita uma declaração no anonimato. “No próprio Exército, que proíbe participação de militares da União em manifestações políticas, temos um general da ativa que fez parte do quadro do governo federal e que não poderia fazê-lo. O princípio da liberdade de expressão e do espaço político foi colocado para todos os cidadãos”, ressaltou o presidente da Aspra, referindo-se ao general Eduardo Pazzuelo, que não foi punido por participar de ato ao lado de Bolsonaro.
Segundo ele, atualmente, percebe-se que a perseguição só acontece a partir do governo local, que não apoia o presidente da República – e vice-versa. “Não podemos sofrer perseguições, nem ter o nosso direito cerceado de utilizar a liberdade de expressão, garantido constitucionalmente, em detrimento da pirraça política dos governos locais e o federal”.
Por outro lado, Simas explica que, enquanto militar, sabe, na essência, que deve prezar pela hierarquia, disciplina, mas o direito de liberdade de expressão deve ser garantido a todos os integrantes das corporações. “Antes de fazermos parte da PM ou do Corpo de Bombeiros, somos cidadãos brasileiros. Não podemos voltar o sentimento de que a ditadura militar deve prevalecer”.
Ele revela que há um sentimento, nas corporações, de que os militares só podem se expressar desde que a autoridade superior concorde. “Não somos propriedades do superior, do governador. Ele é detentor das ações governamentais. Cada cidadão tem o direito de se expressar livremente, com base no que preconiza a Constituição”.
Na avaliação do 1º tenente PM da reserva Geovane Máximo, presidente da União dos Policiais Militares de Alagoas (UPM), a abertura de procedimento para apurar possível indisciplina das duas militares é desnecessária, levando em consideração que ambas estavam de folga no momento em que se expressaram. “Se o militar estiver na sua hora de folga, não vejo nada demais, pois a Constituição Federal de 1988 traz, em seu Art. 5°, a liberdade de expressão. Agora, em serviço, não vejo que seja razoável o militar expressar sua opinião política”, avaliou.
Durante a semana, este assunto foi tema de discussão entre os deputados estaduais. Apesar de ser aliado e defensor do governo, Ronaldo Medeiros (MDB) criticou, de forma veemente, o comandante do Corpo de Bombeiros, coronel André Madeiro. Para ele, o oficial está perseguindo os militares que expõem as opiniões pessoais. “O comandante que está perseguindo tem atitudes piores do que as que ele manda apurar. O coronel André Madeiro tem postagem nas redes sociais apoiando e pedindo voto para o presidente da República”, afirmou.
Em seu pronunciamento na tribuna da Casa, Ronaldo Medeiros ainda questionou qual a diferença entre pedir voto pessoalmente ou virtualmente. “Se vou a um ato político ou se apoio nas redes sociais é a mesma coisa. Isso que ele está fazendo é uma covardia. Ele, inclusive, curte várias postagens do presidente Bolsonaro”, disse.
Ronaldo ainda solicitou que fosse feita a atualização da legislação militar. “Uma lei que pune de forma equivocada. Uma coisa é o militar de farda, outra é este mesmo cidadão numa praia. É preciso que o cidadão tenha a liberdade de ter opinião, desde que ela não macule a imagem de ninguém”, destacou. E completou: “As pessoas têm a liberdade de pensar e de falar, desde que não ofendam a instituição ou qualquer pessoa. Esses senhores agem com duas canetas diferentes: uma para punir os seus subordinados e outra para pedir voto”, concluiu.
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