A queda brusca de receitas, que atinge em cheio as finanças do poder público durante a pandemia do novo coronavírus, deve comprometer, também, a educação, seja no financiamento, na manutenção da estrutura e, o pior, pode deixar os servidores desta área sem salários nos próximos meses.
A previsão da Associação dos Municípios Alagoanos (AMA) não é apocalíptica e está fincada no campo da racionalidade, levando em consideração a perda média de 25% dos recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) nos últimos três meses em comparação a março, abril e maio do ano passado.
E o percentual de redução pode ser ainda maior (superando os 30%) até o fim do ano e está diretamente condicionado ao cenário de calamidade em saúde e à contenção de gastos públicos, gerada, justamente, por causa deste momento singular.
De acordo com a entidade, até 31 de maio de 2020, para o Estado de Alagoas, foram repassados R$ 308.208.369,13 de recursos do Fundeb. Para os municípios, chegaram R$ 905.277.475,46, que totaliza (estado e municípios) R$ 1.213.488.844,59.
A presidente da AMA, prefeita Pauline Pereira (Progressistas), avalia que o cenário dificulta qualquer cálculo estimativo, mas já se sabe, com precisão, que o prejuízo é grande com o repasse menor deste fundo ao Estado e aos municípios, comprometendo áreas importantes e que, certamente, vão causar grande dor de cabeça aos gestores.
“Em virtude desta perda, já que não sabemos o que irá acontecer até o fim do ano, estimamos que a redução varie entre 20% e 30%, ou mais, até dezembro, na média acumulada. E isto só vai acontecer se o Governo Federal continuar com as mesmas normas da Lei do Fundeb, porque não há nenhuma alteração na legislação quanto às garantias destes recursos”.
Ela alerta que, com a redução do valor, o pagamento dos salários dos funcionários da educação fica diretamente ameaçado, assim como o compromisso com os contratos estabelecidos pelas prefeituras e que estão em vigência. “Estes termos celebrados devem ser revisados o mais rápido possível”, adverte.
“Quanto à folha, precisa-se observar o que pode ser cortado no momento, como as gratificações extraordinárias, para que se tenha a garantia do pagamento dos salários. Agora, cada município é quem vai fazer a sua programação de redução de despesas até o fim o do ano. Eles têm a liberdade para escolher o que vai cortar, mas, com certeza, vão ficar comprometidas tanto as despesas de manutenção com a questão do pagamento dos contratos”, avalia a presidente da AMA.
O repasse menor do Fundeb não é uma situação nova – obviamente que a pandemia atrapalhou ainda mais o processo – e está atrelado a inúmeros fatores. Na distribuição desses recursos, são consideradas as matrículas nas escolas públicas e conveniadas, apuradas no último censo escolar realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep/MEC).
O Fundo é formado, na quase totalidade, por recursos provenientes dos impostos e transferências dos estados, Distrito Federal e municípios, vinculados à educação, por força do disposto no art. 212 da Constituição Federal. Além desses recursos, ainda compõe o Fundeb, a título de complementação, uma parcela de recursos federais, sempre que, no âmbito de cada Estado, seu valor por aluno não alcançar o mínimo definido nacionalmente. Independentemente da origem, todo o recurso gerado é redistribuído para aplicação exclusiva na educação básica.
Ao longo dos anos, algumas prefeituras acumularam perdas por redução nas matrículas escolares, diferente de outros, que tiveram compensação. Pauline Pereira explica que os valores da reserva são bem relativos e os gestores já conviviam com estas nuances. Todavia, a crise gerada pela Covid-19 igualou as perdas a todos os entes federativos e, sem acepção, cada um vai sentir o impacto negativo da queda no repasse.
A prefeita acredita, portanto, que todos os municípios sofrerão do mesmo jeito, terão dificuldades em pagar suas folhas e de manter a educação com o mínimo de qualidade. Para agravar ainda mais, quando as aulas voltarem, estas despesas vão aumentar, com certeza.
“Esta situação cria sérios problemas para garantia e manutenção do pagamento correto dos salários dos servidores da educação, afeta a manutenção das escolas e de toda estrutura da educação. Além disso, e pior, que é um ano de final de mandato, com eleições em jogo, obrigando os gestores a obedecer a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o que complica ainda mais o gerenciamento destes recursos”, analisa.
Ela diz que, diante deste cenário, os municípios devem ter uma precaução e um planejamento muito sério para não ter nenhum problema nos últimos meses do ano, quando terão que fechar as contas. Instituído em 2006 e regulamentado em 2007, o atual Fundeb tem prazo de validade: vence em 31 de dezembro deste ano. A expectativa é que, antes que expire, um novo texto seja aprovado na Câmara e no Senado para garantir os repasses para o financiamento à educação.
Um dos textos com trâmite mais avançado é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) elaborada pela relatora, deputada Professora Dorinha Seabra (DEM-TO). A proposta dela é aumentar a participação da União e tornar o Fundeb permanente, sem prazo para expirar. Outras mudanças incluem incorporar o salário-educação, autorizar ou não o pagamento de inativos, estabelecer o piso para o pagamento de salário de professores, entre outras.
Em carta aberta, onde pede esforço para o novo texto, a Frente Parlamentar Mista da Educação (FPME) informou que, se nada for feito pelo Congresso, o Fundeb acabará ao final deste ano sem que seja votado o seu aprimoramento. “Assim, reforçaríamos o descaso histórico do Brasil com a educação pública em função de falsas dicotomias, e mais uma vez sofreríamos as consequências de não investir no desenvolvimento do capital humano de nossa sociedade. Não podemos permitir que a calamidade do Covid-19 se siga a calamidade que seria postergar a aprovação do novo Fundeb”.
Consultada pela reportagem, a presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado de Alagoas (Sinteal), Maria Consuelo Correia, afirmou que o segmento em que ela milita tem que ser tratado como área prioritária, sem quaisquer desculpas de eventuais quedas de receitas. “E o governo deve destinar os recursos suficientes para o pleno funcionamento da educação. A eventual queda de receita não pode justificar redução nos serviços, especialmente quando tratamos de um Estado que ainda é recordista nos índices de analfabetismo e evasão escolar”, resume.
Segundo ela, para driblar a crise e a possível perda de verbas federais, seria “necessário que o andar de cima, os mais ricos, pague a conta. Não é possível que se penalize os trabalhadores e a população que depende dos serviços públicos para ter acesso a direitos”. A sindicalista critica a ausência de diálogo do Executivo estadual na gestão educacional durante a pandemia. E cita, como exemplo, a implantação de um sistema de aulas remotas na rede estadual de ensino sem a mínima discussão com a classe. Como efeito, ela denuncia que o trabalho novo tem sobrecarregado os profissionais da área e sido ineficaz na transmissão de conteúdo.
Consuelo também revelou que o Estado não está repassando a merenda nas escolas públicas, expondo milhares de estudantes a condições extremas de vulnerabilidade social e demonstra preocupação com a reorganização do calendário letivo pós-pandemia. “Em uma live que participou, a secretária de Educação informou que convidaria o Sinteal para discutir o calendário escolar, contudo, até este momento, nada foi formalizado para o início dessa discussão”, revelou a presidente.
Embora tenha sido provocada pela Gazeta de Alagoas, a Secretaria de Estado da Educação (Seduc) não havia se posicionamento até o fechamento desta edição.
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